Manifestações cutâneas de Covid

A pandemia pelo SARS-CoV-2 se mostrou um desafio para todas as especialidades médicas, devido à sua gravidade e a quantidade de sinais/sintomas observados nos pacientes infectados. 

O novo coronavírus apresenta manifestações clínicas variadas, além da síndrome aguda respiratória. Uma dessas reações é a resposta inflamatória  cutânea.

Foram constatadas diversas lesões cutâneas antes, durante e depois dos sintomas clássicos pelo Covid. Estima-se que 20% dos pacientes apresentaram alguma manifestação na pele, conforme a região e o estado de saúde do paciente. 

Esse quadro tem ajudado os profissionais da saúde a entender como o vírus afeta o organismo na totalidade, seus sistemas e demais órgãos. 

Já os pacientes têm a possibilidade de identificar se as reações apresentadas estão relacionadas ao vírus, dessa forma, podem intensificar o isolamento social precoce, buscar orientação médica e auxiliar no prognóstico.

Quais as manifestações cutâneas de Covid identificadas?

Um estudo nacional espanhol da COVID-19 (“Coronavirus Disease 2019”) identificou as lesões cutâneas desencadeadas pelo vírus. A partir de uma pesquisa bibliográfica e análises de diagnósticos foi possível entender a natureza dessas lesões para a identificação pelos profissionais de saúde em suas diferentes especialidades. 

A pesquisa foi conduzida com cerca de 400 pacientes suspeitos ou testados positivos para Covid que apresentaram manifestações cutâneas. A partir da análise foi possível identificar diferentes padrões de lesões, relatadas a seguir:

1 3

Pseudo-perniose 

O eritema pérnio ou perniose é uma reação cutânea desencadeada pela exposição ao frio, caracterizada por inchaço, dores, coceira, sensação de ardor e/ou fissura. No caso da Covid, surge sem fatores ambientais (baixas temperaturas) que justifiquem.

Erupção vesicular 

É caracterizada por várias lesões pequenas semelhantes à catapora. Surge geralmente no início da doença, entre o terceiro e quinto dia, e se mostrou muito característica nos casos de Covid, permitindo o diagnóstico precoce. 

Ao contrário da catapora comum, as lesões são monomórficas, não coçam e sua incidência está centralizada nos troncos, braços e pernas, evitando face e mucosas. A incidência maior está em pessoas de meia-idade, e não deixa cicatriz. 

Urticária 

Lesão que forma urticas ou pápulas (elevações arredondadas e salientes). Pode apresentar vergões vermelhos e inchaço em sua volta. 

Livedo ou necrose 

Lesão com aparência malhada ou marmorizada. Surge de forma rápida, durando cerca de 20 minutos. Acredita-se que seja causada pela hipercoagulabilidade, característica comum do vírus no organismo humano. A reação pode levar a oclusão dos microvasos da derme. Acomete pessoas de todas as idades. 

Placas com descamação 

São caracterizadas por placas de cor avermelhada com diferentes graus de descamação, semelhante a pitiríase rósea. Acomete principalmente pessoas de meia-idade. 

Pseudo-Chilblains 

Chamada de “dedos de COVID”, manifesta-se nas extremidades como dedos dos pés ou mãos, que ficam com tonalidade vermelha ou roxa, apresentando também vesículas e erosões, dor ou prurido, sem causa que justifique (baixas temperaturas, por exemplo). 

Erupção maculo-papular 

Manifesta-se em diferentes padrões associados a outros sintomas. É caracterizada por rash de placas vermelhas sem relevo acometendo pele e mucosas, e geralmente é confundida com o rash viral da dengue. Tem duração de 7 a 8 dias e acomete jovens e adultos. 

Pápulas nas mãos 

Caracterizadas por pápulas que surgem nas costas das mãos, semelhantes a eritema elevatum diutinum. Não há comprovação de uma faixa etária específica para essa manifestação. 

Manchas purpúricas nas flexuras 

São manchas vermelhas comumente confundidas com reações alérgicas a medicamentos. Não há comprovação de uma faixa etária específica para essa manifestação. 

Isquemia cutânea e necrose acral

É um sintoma tardio e relacionado aos casos mais graves. Costuma aparecer em 10% dos casos de morte por Covid. Ocorre principalmente nos casos em que o paciente também apresentou trombose dos vasos da microcirculação da pele.

Os casos a seguir referem-se ao agravamento de doenças já existentes:

Púrpura trombocitopênica imune/idiopática 

Ocorre quando há queda significativa das plaquetas, podendo ser mais grave em casos de hemorragia em determinados órgãos. Manifesta-se como pequenas manchas vermelhas que somem quando pressionadas. 

Doença de Kawasaki 

Este é um quadro grave de vasculite que acomete principalmente crianças. Sua manifestação na pele ocorre nos lábios, boca e língua com inchaço e vermelhidão, e no corpo com vermelhidão e descamação das mãos. Os pacientes também podem apresentar febre, conjuntivite e nódulos. 

Herpes 

A Covid pode desencadear a manifestação da herpes simples e zoster.

2 3

O que é possível entender com as manifestações cutâneas de Covid nos pacientes?

Diferente de outras viroses, a Covid é capaz de manifestar diversos quadros cutâneos com padrões diferentes, contudo, dificilmente há várias manifestações em um mesmo paciente. 

A explicação mais aceita é que já existe a predisposição nesses pacientes, embora eles não tivessem apresentado em outras ocasiões. 

O que mais chamou a atenção dos pesquisadores é que as respostas cutâneas são semelhantes às reações a outros vírus, a exemplo da já citada dengue. 

Porém, a maioria das manifestações cutâneas acima descritas são inespecíficas de qualquer infecção viral, além da Covid. Nesses casos, a relação de causa-efeito dos quadros apresentados foi levantada pelo vínculo temporal entre eles. 

A respeito das lesões, foi possível identificar a prevalência, faixa de idade em que incidiram e sua associação com as fases da Covid. A lesão mais comum identificada nos pacientes foi a erupção máculo papular, seguida da pseudo-perniose e urticária, erupção vesicular e livedo ou necrose. 

  • A erupção vesicular foi constatada precocemente; a pseudo-perniose foi identificada em pacientes que já tinham manifestado sintomas da Covid; 
  • a Pseudo-perniose acometeu pacientes com estado menos grave; 
  • a erupção vesicular acometeu pacientes com estado moderado; 
  • a urticária e as erupções máculo papular estão relacionadas com um estado grave do paciente;
  • a livedo e necrose foram identificadas em pacientes mais velhos, com um quadro mais severo da doença. 
3 2

No que isso pode ajudar no presente?

Embora inespecíficas, a ocorrência de manifestações cutâneas puderam ajudar no diagnóstico precoce e no prognóstico. Muitas vezes elas estão associadas ao aumento súbito do estado inflamatório ou das respostas autoimunes, o que pode ser de grande relevância no entendimento de qual direção o paciente está indo. 

A resposta autoimune inicial à infecção por Coronavírus faz com que o organismo produza Interferon, contudo, nos idosos a resposta é mais tardia em relação aos jovens, que apresentam uma resposta mais rápida e vigorosa, o que pode ser identificado nos estudos sobre as manifestações cutâneas nos pacientes. 

Uma resposta tardia leva a “tempestade de citocinas”. Um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) revelou que essa resposta imunológica  participa da ativação do processo inflamatório, capaz de causar danos aos órgãos e levar a óbito. 

A partir daí, é possível definir a terapia mais adequada e inferir no prognóstico, visto que é possível identificar precocemente pacientes de alto risco por suas lesões de pele. Dessa forma, passa-se a trabalhar para redução do potencial destrutivo da tempestade de citocinas. 

Vale ressaltar que os estudos a respeito dessas manifestações ainda possuem falhas, visto que estamos enfrentando uma situação atípica na história da medicina. A maior parte dos casos estudados ocorreram durante o período que estão internados e nem todos apresentaram evidências ou entenderam o que estava acontecendo naquele momento. 

Mais estudos são necessários, sobretudo para afastar o uso de medicamentos inadequados que possam agravar o quadro do paciente. 

Dra. Juliana Toma

Médica Dermatologista - CRM-SP 156490 / RQE 65521 | Médica formada pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP-EPM), com Residência Médica em Dermatologia pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP-EPM), com Título de Especialista em Dermatologia. Especialização em Dermatologia Oncológica pelo Instituto Sírio Libanês. Fellow em Tricologias, Discromias e Acne pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Pós-Graduação em Pesquisa Clínica pela Harvard Medical School – EUA. Ex-Conselheira do Conselho Regional de Medicina (CREMESP). Coordenadora da Câmara Técnica de Dermatologia do CREMESP (2018-2023).

Deixe o seu comentário